Priscila Batista Arcanjo
LITERATURAnews | Realismo: O Alienista em quadrinhos de Lailson de Holanda Cavalcanti
Hoje vamos falar sobre o movimento realista. Ele teve início em meados do século XIX na França, com a publicação do romance realista Madame Bovary por Gustave Flaubert, em 1857. Era a época da segunda fase da Revolução Industrial e do surgimento de várias correntes científicas que pretendiam analisar e explicar os fenômenos sociais, naturais e psicológicos. A mentalidade subjetiva e idealista do Romantismo, movimento anterior ao Realismo, era substituída por uma mentalidade objetiva com o propósito de retratar a realidade.
É, principalmente, a partir do Realismo que começamos a ter a criação do herói problemático, ou seja, o ser humano com suas fraquezas e incertezas diante de um mundo no qual se sente deslocado.
Para entendermos melhor o que é o Realismo e a figura do herói problemático, eu convido vocês para uma viagem até a vila de Itaguaí através do livro “O Alienista em quadrinhos”. Este livro foi escrito por Lailson de Holanda Cavalcanti e é uma adaptação da obra original “O Alienista” de Machado de Assis.
Lailson de Holanda Cavalcanti nasceu no Recife em 1952. Começou sua carreira nos Estados Unidos em 1971. No mesmo ano, recebeu seu primeiro prêmio (Award For Best Original Artwork) pela Arkansas High School Press Association. Desde então, desenvolveu uma carreira consolidada como artista gráfico, cartunista, chargista, autor de quadrinhos e pesquisador de humor gráfico.
O Sulacap News conseguiu uma entrevista exclusiva com Lailson de Holanda Cavalcanti. Confira!
Como surgiu a ideia para que você fizesse O Alienista em quadrinhos?
Lailson de Holanda Cavalcanti – No final de 2001 eu lancei minha obra PINDORAMA - A OUTRA HISTÓRIA DO BRASIL, uma versão bem humorada da nossa História, como uma série de revistas coloridas, encartadas semanalmente no Diário de Pernambuco. Em 2003, consegui que ela fosse publicada como um graphic album pela Companhia Editora Nacional/IBEP, sendo lançada na Bienal do Livro de São Paulo em 2004. O sucesso foi grande e conversando com o Diretor Editorial, coloquei a proposta de fazer uma versão futurista dos Lusíadas, deslocando a ação para o Século XXV sob o título LUSÍADAS 2500, mantendo o poema integral, mas acrescentando algumas "cenas de bastidores" para situar o leitor numa viagem intergaláctica com caravelas fotônicas que estavam descobrindo espaços nunca antes navegados! O primeiro volume, com os quatro primeiros cânticos, foi lançado na Bienal de 2006 e também foi muito bem aceito, sendo ambas as obras incluídas no PNLD e PNBL. Surgiu então a ideia de que, antes de lançarmos o segundo volume, fazermos adaptações de clássicos da Literatura Brasileira. O Alienista era uma preferência tanto do Diretor Editorial, como minha. Então, foi o primeiro a ser definido. O segundo foi Memórias de Um Sargento de Milícias, preferência da Editora, que eu concordei. E o terceiro foi O Triste Fim de Policarpo Quaresma, que sempre foi um dos meus livros favoritos. Infelizmente, com as mudanças editoriais que ocorreram na editora em meados da década passada, todos os contratos dessas minhas obras expiraram e não foram renovados, estando atualmente fora de catálogo.
Como foi sua experiência ao transpor esse famoso conto de Machado de Assis para a narrativa gráfica sequencial (história em quadrinhos)?
Lailson – Já existiam versões em quadrinhos do Alienista, mas quase todas colocavam Simão Bacamarte muito mais parecido com um Psicanalista do final do século XIX do que com um Alienista do Século XVIII, que é onde Machado situa a história, pois, logo no começo, diz que o caso é relatado nas antigas crônicas de Itaguaí e que El-Rei tinha pedido que Bacamarte ficasse em Coimbra. Como o último rei português do século XVIII morreu em 1775 e Bacamarte vive nos tempos do Vice-Rei, a dedução é que a história se passa entre o final dos anos 70 do século XVIII e antes de 1808, chegada da Família Real ao Brasil. Após situar a história no tempo, minha preocupação foi situar também o figurino, tipo de barba e cabelo das elites, objetos de época e a arquitetura. Criei uma Itaguaí cenográfica reunindo cenários de várias cidades brasileiras coloniais como Olinda, Paraty, Ouro Preto, enriquecendo a narrativa visual com o máximo de elementos que pudessem tornar a minha "encenação gráfica" tão interessante quanto uma versão cinematográfica. Um professor criativo encontrará em minha versão vários objetos e ícones do período colonial brasileiro que lhe permitirão ampliar o alcance da simples leitura, levando um aluno a pesquisar mais sobre o assunto. O personagem principal muitas vezes aparece somente com metade do rosto, para indicar a fragmentação do seu ego e sempre com um ar de grandiosidade que busca superar sua compreensão da sua incapacidade de ter filhos. Antes de partir para a realização do roteiro e da narrativa sequencial, li e reli três vezes o livro, cada uma dessas leituras com objetivos diferentes: compreender o estilo de Machado, buscar qual a narrativa visual mais adequada para cada cena e sintetizar imagens e textos para que formassem um conjunto interativo e complementar e não apenas um agrupamento de imagens ilustrativas de um texto que acabassem sendo apenas redundantes. Foi, portanto, uma experiência muito rica e gratificante, tanto do ponto de vista artístico/literário, como do ponto de vista de produzir um trabalho que pudesse introduzir a Literatura brasileira para um público jovem.
Qual foi sua maior preocupação durante a realização deste trabalho?
Lailson – Machado de Assis nesse conto tem um estilo que utiliza muito o narrador oculto, não há uma presença de diálogos constantes, mas sim, descrições do que foi dito, sentido e pensado. Minha principal preocupação, portanto, foi não acrescentar nada ao texto original, buscando, porém uma síntese e uma dinâmica que complementassem a narrativa visual das imagens. Não procurei fazer uma releitura nem uma reescrituração do autor, mas sim uma adaptação através de recortes do texto original, permitindo que funcionassem como diálogos ou reflexões dos personagens. Por exemplo, num trecho Machado coloca originalmente "O Padre Lopes pensava que" e eu coloco o Padre Lopes dizendo "Eu penso que" e daí continua a frase original. Em minha opinião, dessa maneira o leitor iniciante entra em contato direto com o texto do autor original, familiarizando-se com ele. Além disso, coloquei um glossário com vários arcaísmos, uma curta biografia de Machado de Assis, uma cronologia do seu tempo e um resumo da sua obra. Ou seja, minha principal preocupação foi provocar em um jovem leitor o interesse pela obra de Machado de Assis e levar os professores a compreenderem que as Histórias em Quadrinhos são uma poderosa ferramenta de apoio didático.
Existe algum trabalho atual seu sobre alguma obra de Machado de Assis?
Lailson – No momento estou dando início à publicação de meus trabalhos na plataforma da Amazon, tanto no formato impresso tradicional, como nas versões digitais que oferecem possiblidades interativas. Por coincidência, a primeira obra que estou produzindo para esses novos formatos é O ALIENISTA, numa versão revista e ampliada. Espero que até o final deste mês ela já esteja disponível para aquisição pelos leitores.
Depois dessa bela entrevista com Lailson de Holanda Cavalcanti, convido vocês para conhecer os outros trabalhos deste talentoso artista em http://www.lailson.com.br e no perfil Lailson de Holanda no Facebook.
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