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Foto do escritorAlexandre Madruga

Tenho filho autista: como isso me transformou?

Atualizado: 2 de abr. de 2021


“Está tudo bem?”. Essa foi uma pergunta que meu filho me fez na véspera do Dia Internacional da Consciência do Autismo. No início de 2018, com quatro anos de idade, eu e minha esposa estranhamos ele ainda não falar. Esse foi o sinal de alerta que algo estava errado e buscamos orientações. Por fim, frente a frente ao Neuropediatra ouvimos o diagnóstico que mudou nossas vidas: “seu filho tem autismo”. Minha esposa desmoronou. Desmoronamos, mas apenas segurei melhor minhas emoções. A lógica ditava que aquele cenário mudava o futuro e a busca dele começava já. Não havia tempo para outro sentimento, a não ser seguir firme e em frente.

Na frente de uma junta médica no Lar de Daniel Cristóvão, em Jardim Sulacap, zona oeste do Rio, todas as terapias necessárias foram decididas e implantadas. O Lar é especialista em cuidar de crianças com várias síndromes, dentre elas o Espectro de Transtorno Autista (ETA). A partir daí, o jornalista e a professora se tornaram os novos médicos residentes e terapeutas dentro de casa, investigando e estudando tudo a respeito do que é o autismo.

As terapias começaram. Ainda no primeiro semestre de 2018, lá se foi o Victinho para fonoaudiologia, terapia ocupacional e psicomotricidade, além das consultas trimestrais junto ao neuro. Desde então, nós que aprendemos a ser pais muito mais atentos e observar cada passo que nosso pequeno dava. Mas a primeira decisão de tudo, seria a mais difícil de tomar. Seguindo orientações dos profissionais, um dos pais teriam que estar mais presente na vida dele, no dia a dia, no levar e buscar da escola e terapias. Coube a mim essa tarefa, adaptar minha vida profissional a um perfil mais “home office” (quando se trabalha em casa) e estar atentamente seguindo os passos do pequeno. Bem, portas se fecharam, mas uma mais inesperada se abriu para mim: a chance de acompanhar tudo que acontece com ele, bem de perto. E isso, em pouco mais de um ano, mudou minha vida e modo de pensar.

Primeiro descobri que os autistas são tão peculiares, que na verdade precisam de pais muito especiais para lidar com eles. Então, se dentro da sua família tem alguém com ETA, fique certo que esses pais (ou responsáveis) são muito especiais. Especiais em ver a vida sob outra ótica, num mundo diferente mas igual. Eles são iguais, apenas tem a captação de informações de uma maneira menos filtrada. Enquanto eu e você conseguimos separar os sons, as imagens, focando numa coisa em específica, esses humaninhos especiais captam tudo de uma vez e do jeito deles, se organizam para absorver as informações. Nesse momento, você percebe que adaptar coisas no seu cotidiano são fundamentais.

Victinho não frequentava casa de festas, shopping. Com o tempo, e a evolução da terapias, percebemos que inserir ele nesses ambientes deveria ser feito de outra maneira. Para casa de festas adotamos a postura de chegarmos como primeiros, antes mesmo de toda barulhada começar e até do aniversariante. Bingo! Assim, mesmo a casa enchendo e tendo mais barulho, ele se adapta gradativamente na mesma medida e difícil agora é tirar ele de dentro das festas. No shopping ele passou a entrar após os três primeiros meses de terapias e descobrimos, através do psicomotricista Odinei do Lar, que ele praticou exercícios que ajudaram nessa transição. Por fim, na volta ao shopping, ele até sentou para tomar café conosco. Claro, saímos efusivos, pois para um autista permanecer sentado é algo que se conquista com certa perseverança.

Essas experiências nos mostraram outro dado importante. É fundamental vibrar a cada pequena vitória. Victinho domina celular e Youtube desde os dois anos de idade. Claro, ficamos surpresos, pois ele escolhia os desenhos que queria e os procurava. Hoje, o domínio da ferramenta é tanto, que ele mesmo desbloqueia o celular da mãe e mesmo escondendo o aplicativo, vai lá ele “rolar” a tela a procura daquela setinha branca num quadrado vermelho.

A memória dele nos surpreende, decorando falas de desenhos inteiros de mais de uma hora e meia de duração. Agora, começa a cantarolar as músicas infantis e nitidamente tenta se articular a cantar junto e, se deixar, ele dança também. A comunicação melhorou muito ao longo de um ano de terapias. Fez teatro na escola, se apresentou no palco e está na natação. E não gosta de piscina rasa, quer se sentir solto numa piscina funda e insiste que sabe nadar, mesmo sempre recorrendo a boia ou ao macarrão. Não pode ver uma piscina, onde for ele começa a tirar a roupa e se prepara para entrar. Nosso Aquaman se encontrou nas águas. E que rapidez e folego ele tem quando está dentro de uma.

Mas a vida continua para pais de autistas e tudo é aprendizado. Dar banho, colocar roupa, dar comida. Tudo verbalizamos, ensinamos, doutrinamos para que ele entenda aquilo que ele precisa para crescer e evoluir. E essa é a principal preocupação dos muitos pais de autistas. O que serão deles no futuro? Eu te digo. Serão aquilo que hoje você está fazendo. Não se preocupem com o futuro ainda, pois o agora vai fazer muito diferença na vida deles. Os tratamentos, a atenção dos pais, a percepção nas mudanças, gostos, atitudes... tudo depende de nós pais, essa família especial colocada na vida deles. Sim, eles só podem sobreviver e viver graças a responsáveis muito especiais. É mais que viver para o outro, é ensinar, dividir, compartilhar e entender tudo que os autistas passam. É difícil? Sim, muito, mas é prazerosamente satisfatório quando percebe que os pequenos passos vão sendo dados.

Hoje, quando olho meu pequeno não vejo o autista, mas sim um presente especial, que me abriu o olhos para tantos outros (pais e crianças) que precisam ser entendidos, compreendidos e acalentados, pois sofrem ainda mais que outros pais “normais”. Agora, eu vejo outros casos e sou capaz, do tanto que aprendi e vivo aprendendo, a conversar e ajudar esses pais e pequenos de como a perseverança é fundamental.

Mas e as alegrias e emoções? Imagina ver ele sorrindo, porque quer ver seu sorriso. Pense na alegria quando ele vai no meu quarto e diz “vem brincar com a gente”, só para eu sentar na sala junto com ele e ver um desenho, que ele interage artística e cenograficamente, já que tem todos os bonecos dos personagens que vê na TV. Levar ele no shopping hoje é se obrigar a passar no Amigão e ele pegar mais um novo amigo. E ele tem muitos e diariamente vão com ele para escola ou dormem juntos. As vezes, muitos juntos, a ponto de tomar boa parte da cama. Buzz e Wood do ToyStory são os prediletos e ver os desenhos com ele é cena teatral certa e decoradíssimas. Pasmem em ver o carinho, afeição e pegar a cabeça dos pais com as duas mãos, olhar dentro dos olhos e dar um beijo na bochecha. Em cismar de subir no sofá e ficar em pé nos ombros do pai. Em correr para a vizinha, quando deixa a porta aberta, só para colocar ela na cama para dormir ou ir na sala e ficar se olhando no espelho. Em chegar no meio da noite e ficar te jogando as roupas de sair no colo, pois está na hora de buscar a mãe e ele sabe até o caminho. Se entrar na rua errada, ele reclama e aponta o caminho correto. Em só dormir se colocar o pé (ou os dois) em cima da mãe e nunca sentir calor. Em acordar com um sorriso daqueles, logo te dar um abraço e só tomar o café da manhã se dermos. Na hora da escola não querer ir de jeito nenhum, mas depois de colocar a roupa, te apressar para chegar logo na escola. Em sair do carro, pegar a bolsa, sequer olhar par trás e da tchau. Na saída, estar em forma com todos os colegas, esperando ser chamado ou ver o pai do lado de fora, orgulhoso, esperando ele sair.

De volta ao começo desse texto, ele me surpreendeu ao me perguntar se estava tudo bem. Ah, meu filho, está tudo muito bem e graças a você. Obrigado por estar na nossa vida!


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