PSICOnews | Quando a poesia diz o que é difícil de dizer
A morte tem insistido em ocupar nossos dias. Pudera, estamos numa pandemia, no país que é o atual epicentro dela. É difícil simplesmente deixar isso de lado e seguir a vida. Em meio às minhas aflições, lembro-me de dois poemas de grandes escritores brasileiros, Machado de Assis e Vinicius de Moraes. A poesia - a arte no geral - tem a capacidade de responder às aflições de uma forma especial: nos aproximando de uma experiência, dando contornos a ela, mas sem explicá-la. Assim a poesia nos toca, podendo nos emocionar, aliviar, podendo fazer refletir ou até mesmo incomodar.
Se eu der uma explicação sobre o luto, ela não passará a beleza triste e a saudade que o poema “A Carolina”, de Machado de Assis, transmite. Do mesmo modo, posso dizer que nossa vida é frágil e passageira, mas sem a crueza e a força de Vinicius quando diz que “fomos feitos para enterrar nossos mortos - por isso temos braços longos para os adeuses, mãos para colher o que foi dado, dedos para cavar a terra”. Deixo aqui os poemas. Neste momento, eles são mais hábeis do que eu para dizer o que sinto:
A Carolina
Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.
Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.
Trago-te flores, — restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.
Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.
(Machado de Assis - 1906)
Poema de natal
Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos -
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será a nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos -
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez, de amor
Uma prece por quem se vai -
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte -
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.
(Vinicius de Moraes - 1946)
Guilherme Sant'Anna é psicólogo (CRP 05/57577) formado pela UERJ e atualmente cursa o mestrado em Psicologia Social nessa mesma universidade. Realiza atendimentos de psicoterapia online, você pode entrar em contato com ele pelos seguintes meios:
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