Papai Noel é Punk
- Alexandre Madruga
- 22 de dez. de 2010
- 4 min de leitura
Não adianta negar, o natal é uma data especial onde todos parecem felizes para sempre. Tão felizes que já no início de novembro alguns, com um pique a mais, preparam seus acessórios antecipadamente, como se Papai Noel fosse, por um lapso de memória, esquecê-los da sua grande lista. Povo festeiro é assim mesmo. Também não se pode negar que o natal é um período de aparições. Todos surgem com um sorriso irmão, amigo. Até aqueles que da família não são, que jamais lhe deram um oi, surgem num misto de fraternidade e interesses que só vendo para saber. Amigos distantes ligam de uma hora para outra contando novidades e esperando que você também revele suas boas novas, como se o ano todo transcorresse dentro de uma daquelas bolas que sacudimos e a neve cai placidamente pelo céu de um vilarejo eternamente natalino. Este é o especial do natal – a harmonia que só é vista nos filmes românticos. E não falei nem da agitação diária onde o dinheiro se esvai do bolso de alguns e intumesce a carteira de outros. Isso é uma outra história. De tudo, o que me deixa mais comovido, tirando os presentes, o peru e os filmes onde a neve jamais derrete e todos sempre acabam em uma imensa mesa com frutas, panetone e tortas, são as fotos inocentes no colo de Noel, onde as crianças desabam suas cartas com pedidos que vão desde um pão com manteiga até pistolas de última geração. Perdoem-me os amantes do bom velhinho, mas tenho objeções ao casaca vermelha. Na verdade, fico comovido de tristeza ao presenciar as pobres crianças ingênuas sendo ludibriadas por aquelas bochechas rosadas. Ele, como ícone da brandura, da serenidade, do amor, nunca me pareceu perfeito. Aquele rosto de santo, com sombra e brilho, nunca escondeu de mim suas intenções. Por trás daquele papo de amante das crianças figura um revolucionário esquerdista. Papai Noel é um militante do mais alto gabarito. Um punk comunista, defensor da dominação do mundo pelos caucasóides barbudos. E não se assustem. Dou meu parecer e comprovo o que digo em uma série de ícones que muitos não notam, mas eu sim. Comecemos pelas botas. Aquelas botas em contraste com a pele branca e o casaco vermelho são uma forma, quase subliminar, de o Papai Noel revelar seu lado punk de ser. Elas foram feitas para a guerra, cópias perfeitas dos coturnos vestidos pelos militares e pelos roqueiros revoltados. Sem dúvida, Papai Noel aguarda suas tropas se posicionarem para rebelar-se contra todos os pais que insistem em empurrar crianças em prantos para o seu colo. Essa tática de colocar vários deles espalhados pelas ruas é só uma camuflagem de guerra para despistar os ingênuos. Não, ele jamais iludiu minha razão com aquele casaco vermelho e maquilagens pesadas que não derretem. Tudo forma de manter o comunismo vivo. Não sei como ninguém enxerga. Reparem que tudo nele é vermelho: o saco, a roupa, o blush, a boca de batom, até mesmo o nariz das renas, comunismo puro. O mais interessante deve ser o pacto entre ele e as ingênuas crianças que jamais comentam o que Papai Noel lhes diz alegando esquecimento. Ao sentarem em seu colo, antes de pedirem seus devaneios, devem fazer uma espécie de juramento solene para seguir seus mandamentos e só assim conseguirem presentes. Uma forma de montar futuros exércitos, com certeza. E aquele saco? Aquele saco, que jamais foi aberto em público, jamais foi revistado na alfândega e muito menos passa pelos detectores de metais, o que pode esconder de tão precioso? No trenó nem se fala, jamais foi visto. Deve utilizar tecnologia extraterrestre de invisibilidade para perambular pelos céus sem ser vislumbrado. Papai Noel só pode ser um ninja: entra nas casas durante a noite num silêncio moribundo e se esvai pela chaminé apertada com seus quilos a mais sem fazer um só barulhinho. Coisa de ninja da máfia chinesa Por fim, temos as renas, simples, dóceis e amáveis bichinhos. Nada disso, não se enganem. Foram treinadas a ferro e fogo para impugnarem ao menor sinal de seu comandante; adestradas para sessões de torturas com os que não andarem conforme a cartilha de seu mentor. Pense bem antes de deixar seus pequenos e indefesos filhos nas mãos de um lunático que diz morar no Pólo Norte, outra grande dissimulação. Pólo Norte é o nome da base secreta onde Papai Noel trama sua vitória e de onde, por meio de tecnologia avançada, consegue acompanhar nossas vidas esperando que deslizemos para pôr seu exército de duendes em ação. Eu jamais sentei no colo do Papai Noel. Tinha um medo indecifrável, talvez um sexto sentido indicando sua reputação. Minhas filhas também não, herdaram o mesmo sexto sentido e devem, no fundo, estranhar a presença de Papai Noel no calor abominável do Rio de Janeiro. Agora, quando cruzarem com ele nos shoppings, atenção: pode ser que o estopim esteja aceso e uma guerra contra o sistema seja disparada sem aviso.
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