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Saint'Clair Silva

Saint'Clair Silva | Reflexões de um viciado


Me pergunto se aqueles que decidiram expandir a internet para uso doméstico imaginavam que, em algum dia ela seria causadora de tantos benefícios e tantos malefícios como no mundo atual. Obviamente, aquela tecnologia tão inovadora para a época sofreu diversas melhorias, mudanças e expansões, que hoje o uso da tal é tão normalizado quanto o respirar. O não uso da internet causa espanto e inevitavelmente te faz morto para o mundo, visto que tudo o que ocorre no planeta (e fora dele) passa pela internet. Experimente ficar um tempo fora do mundo virtual e veja o quão desatualizado sobre o cotidiano você fica, ou até mesmo teste as reações das pessoas quando sabem que você está sem internet por vontade própria. É uma mistura de espantos com atestados de dependência, como “eu não conseguiria ficar”. Se você é um dos que soltariam essa frase, não se culpe, o vício às redes sociais ou à internet em geral também atinge aquele que vos escreve. Entretanto, para mim, é inevitável o questionamento sobre essa relação amorosa, talvez abusiva, que temos com um objeto específico, chamado celular, fruto do avanço que comentei no início do texto. Porque toda essa necessidade do uso desse objeto tão comum e tão mágico? Qual é a relação de poder que envolve esse relacionamento?

Tenho para mim, que quando usamos o nosso inseparável “amigo”, entramos em um mundo alternativo, onde o espaço-tempo para de existir. Não há mais tempo a ser contado, a noção de espaço se esvai. A pequena tela do celular é tudo o que temos, tudo o que precisamos, não há necessidade de mais nada ao não ser de se aprofundar mais e mais nesse mundo irreal. Até que, nos damos conta que já se passaram 4 horas que estamos no Twitter, não fizemos nada do que tínhamos que fazer e não lembramos nem se comemos, entramos no modo automático, assim como uma máquina propriamente dita. Conforme entramos nesse mundo, nos parecemos com ele. Percebemos que interagimos com mais pessoas virtualmente do que fisicamente, o que faz surgir a já gasta pergunta “a internet aproxima ou afasta?” Porém, o ponto é: qual o problema de se afastar? Será que devemos estar sempre rodeados de pessoas? Ou melhor, será que gostamos disso? Se não, qual é o problema do afastamento?

Não há problema em estar sozinho, às vezes torna-se necessário, a complicação se dá quando isso transforma-se em algo frequente. O isolamento desproporcional é um dos primeiros sintomas de que você vivencia mais o mundo irreal do que aquele que você realmente deveria viver. Se formos colocar no parâmetro de que o real aquilo que podemos sentir, tocar, provar e todas essas coisas que estão ligadas ao sentido, o âmbito digital não passa de algo fictício e sem valor. Então por quê damos tanta ênfase a essa experiência barata que ela nos proporciona? Entendo que é muito mais fácil viver no mundo digital. É muito mais prazeroso viver algo fictício do que a realidade de fato. No mundo real existe a necessidade de lidar com a rejeição, frustração, pressão, etc. Já virtualmente, você pode ser simplesmente quem você quiser ser, emitir as opiniões que desejar sem sofrer consequências reais disso. Entretanto, é justamente na frustração e tudo o que você precisa enfrentar na realidade que está o ponto essencial da vida humana. Pois, é a partir dessa vivência que as pessoas se aprimoram. O ser humano necessita do contato com os outros. É no relacionamento interpessoal que são desenvolvidas as definições morais dos indivíduos, que quase sempre são abdicadas na internet. É no relacionamento com o próximo que existe a relação de referência, que pode ser substituída por alguma personalidade virtual. A tecnologia afeta diretamente na formação e na transformação do indivíduo. O uso dessas ferramentas ditam as relações de poder que surgirão ou que mudarão, pois, quem será o referencial de uma criança que passa mais tempo no YouTube do que com os pais? Não existe formação humana fora da convivência. Aquilo que deveria ser uma facilidade torna-se inimigo, deturpando a formação do caráter individual.

Saint'Clair Silva é estudante do 3ª ano do Ensino Médio do Colégio Estadual Bangu, tem 18 anos e sonha em ser jornalista.


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